Se você já passou por essas situações ao (tentar) usar OKRs:
- Grandes rodadas de definição de objetivos, e no fim pouca clareza sobre o que fazer a seguir;
- Mesmo com objetivos ambiciosos, no fim as equipes acabam apenas cumprindo tarefas;
- Reuniões de checkin que mais parecem reuniões de status;
- Aos poucos, as pessoas esquecem os OKRs e focam mais no dia a dia.
- E por ai vai…
Provavelmente sua empresa não entendeu bem o que são OKRs!
Outro dia eu li algo aqui mesmo no Linkedin que me alarmou. Dizia que KRs podem ser de três tipos:
- Baseado em valor, é o mais comum, pois rastreia resultados quantitativos projetados para medir sucesso.
- Baseado em atividade/marco, é frequentemente usado para converter um resultado binário em um resultado-chave.
- Baseado em atividade, é o que mais deve ser evitado, pois representa o que precisa ser feito e não o resultado em si.
Bom, eu entendo que KR vem de Resultados Chaves, então só vejo um tipo possível de KR: aquele que mede Resultado! E não qualquer resultado! Um Resultado Chave!
Uma das referências que melhor me fez entender os OKRs foi o vídeo do John Doerr – disseminador (e não criador) desse modelo – no TED Talks. Vou colocar aqui e espero que você veja! Além de emocionante, talvez ele poupe você de precisar ler o restante do meu artigo (mas recomendo que leia mesmo assim)!
Se você assistiu (ou não) o vídeo, e mesmo assim quer continuar, vamos lá!
Eu vou usar alguns exemplos para destrinchar o que é o Objetivo e também o que é um Resultado Chave pela ótica de OKRs (e aqui vai uma dica: serão necessários muitos e muitos “por quês”!).
O Objetivo (a parte O dos OKRs)
Olha a definição que eu vi também aqui no Linkedin para Objetivo: “Deve conter um verbo + o que será feito + motivo/razão”. Bom, Objetivo não se trata de o que será FEITO, mas sim do que se quer ATINGIR. O que será feito na verdade são inúmeras ações, iniciativas, projetos, histórias, features, experimentos, testes, etc para chegar nesse Objetivo.
Se o seu objetivo pode ser traduzido para uma ação, projeto, iniciativa, ou se ele é algo determinado, ele não é um bom objetivo. O objetivo deve ser algo aspiracional, traduzido em uma frase qualitativa que indique um estado que queremos atingir. Algo como: “Construir o melhor browser” (roubei essa do vídeo do TED).
Um exemplo clássico, roubado do ramo pessoal (eu gosto muito de aplicar OKR no âmbito pessoal para poder exercitar essa ferramenta): “Meu objetivo para 2022 é terminar a faculdade X”.
Bom, vamos lá! Terminar a faculdade é uma ação, uma série de passos que termina com um (na maioria das vezes) diploma. Você pode traduzir o “terminar a faculdade” facilmente como um projeto, iniciativa, ação. Logo, o objetivo em si não é terminar a faculdade. Mas então, qual seria o objetivo nesse caso?
Bom, aí entram os porquês. Primeiro deles: “Por qua você quer terminar a faculdade?”. E essa pergunta é muito importante. Pare e realmente reflita sobre isso. Vamos supor que seja uma faculdade de psicologia. Aí vamos explorar os porquês (o diálogo abaixo é ficcional!).
- Por que você quer terminar a faculdade de psicologia? Porque eu quero o diploma de psicólogo.
- E por quê você quer esse diploma? Porque eu quero atuar como psicólogo, e para isso eu preciso de um diploma.
- E por quê você quer atuar como psicólogo? Porque eu quero poder ajudar as pessoas a viverem melhor. (aqui também poderia chegar a algo como – porque meu pai/mãe são psicólogos, e gostariam que eu fosse! – talvez se estivéssemos escrevendo esse OKR numa sessão com nosso psicólogo)
- E por quê você quer ajudar as pessoas? Porque eu acredito que sou capaz de fazer isso! Já superei muitas coisas nessa vida e sinto que posso ajudar outras pessoas a também superar seus problemas e serem felizes!
Eu já pararia por aqui. Agora já temos muito mais informações para tratar os OKRs dessa pessoa de maneira muito mais poderosa. Deu para perceber que o objetivo dessa pessoa não é exatamente “Terminar uma faculdade“, mas sim “Ajudar outras pessoas a superarem suas dificuldades e serem felizes“.
Se você viu o vídeo do TED, você vai entender a importância desse exercício e a diferença que traz! Eu sempre me emociono quando vejo esse vídeo, e o que faz isso é por que a ideia é entender o que realmente podemos alcançar!
Você poderia me perguntar “OK, Thiago, esse é o objetivo dela, mas antes ela precisa de qualquer maneira terminar a faculdade”. Err… não é bem assim! O objetivo dela ainda é ajudar pessoas! Talvez ela possa pensar: “OK, quero ajudar pessoas, mas em 2022, o que eu posso fazer para conseguir isso?”. E essa é a chave! Ela pode fazer faculdade, mas ela pode fazer muitas outras coisas, inclusive que a façam atingir esse objetivo em 2022, e não só em 2023! Ela pode, por exemplo, ajudar pessoas fazendo estágio de psicologia.
Porquê isso é importante? Veja só:
- Objetivo: Terminar a faculdade de psicologia. Foco: completar as matérias, fazer trabalhos, tirar nota, conseguir o diploma. Possibilidades: completar as matérias, fazer trabalhos, tirar nota, conseguir o diploma.
- Objetivo: Ajudar outras pessoas a superarem suas dificuldades e serem felizes. Foco: fazer um bom estágio, impactar as pessoas que passarem pelo meu estágio e ajudá-las a superarem obstáculos. Possibilidades: fazer trabalho voluntário, entender os problemas das pessoas, formar grupos de estudos, explorar as matérias da faculdade sob o olhar de ajudar pessoas, trancar a faculdade e fazer um estágio em um país onde eu posso ajudar pessoas em necessidade, e depois retomar a faculdade. E por aí vai!
Pode ser que, focando no estágio, a pessoa não consiga as melhores notas. Talvez até ela pegue uma DP e adie um pouco o seu diploma. Mas ela já está fazendo a diferença! Ela já está ajudando pessoas! Ela não tem um caminho único e definido, ela tem várias possibilidades, ela pode se adaptar, corrigir o rumo, rever seus objetivos!
Os Key Results, ou Resultados Chave (a parte KR do OKRs)
E aí vem os KRs! E podemos usar esse mesmo exemplo! Quais seriam os KRs possíveis dos dois exemplos de objetivo acima?
Objetivo: Terminar a faculdade de psicologia
- KR1: Concluir a faculdade (Sim ou não – binário)
- KR2: Concluir a faculdade com nota > X (Sim ou não – binário)
Objetivo: Ajudar outras pessoas a superarem suas dificuldades e serem felizes
Vejam que aqui o bicho pega! O KR não vai sair tão facilmente como no caso anterior. E a pergunta que devemos fazer é: que resultado eu quero gerar nas pessoas, qual é a dor delas, e como eu poderia medir isso?
Vamos supor que a pessoa do nosso exemplo soube, na faculdade, que boa parte das pessoas não sentem confiança em seus psicólogos, ou não conseguem se abrir sobre o que realmente acontece, ou sentem medo de serem julgadas (aqui tem uma pequena inspiração pessoal). Essas são pistas do que podemos gerar de resultados. Ou pode ser simplesmente: satisfação com o processo com o psicólogo (aqui uma referência ao bom e velho NPS que, segundo Steve Denning, é “a única métrica que você vai precisar”).
Ou poderíamos ir mais a fundo: se o objetivo é ajudar outras pessoas a superarem suas dificuldades (1) e serem felizes (2), como poderíamos medir esse (1) e esse (2)?
- % de dificuldades superadas?
- % do aumento do índíce de felicidade da pessoa?
- aumento do % de tempo que a pessoa julga sentir-se feliz?
- % de altas
- Qquantidade de sorrisos nas sessões (como estamos falando de alguém ainda em formação, talvez os indicadores acima não sejam tão cabíveis, mas esse é possível!).
As iniciativas
Para quem assistiu o vídeo, vocês viram que o sucesso do Chrome foi medido pelo número de usuários? Note que esse é o resultado chave, porque ele representa diversas esferas importantes a serem trabalhadas para ser o melhor browser. Eles terão que conquistar os usuários, os críticos, ser bem avaliado na mídia especializada e oferecer diferenciais. Existem muitas maneiras de aumentar o número de usuários (e mantê-los).
E voltando a nossa futura psicóloga, ela poderia colocar como objetivo: “Quantidade de sorrisos nas sessões (no estágio ou em conversas informais)”. Esse é um indicador que soa bem para ela, e representa um resultado chave. Conseguir sorrisos das pessoas é um ótimo indicador de que ela está conseguindo “ajudar outras pessoas a superarem suas dificuldades e serem felizes”.
Definido onde se quer chegar (objetivo) e o que indica que estamos no caminho certo (resultados chave), agora sim vamos pensar no que fazer para chegar lá! Aí vem o que costumamos chamar de iniciativas, e elas podem ser dos mais variados tipos: tarefas, projetos, histórias, features, ações. Eu particularmente sugiro tentar seguir em uma linha de validação de hipóteses.
Mas como?
Vamos pensar em “Quantidade de sorrisos nas sessões”. O que nossa futura psicóloga terá que fazer para conseguir isso?
- Bom, ela precisa ter sessões!
- Ela precisa ter algum modelo de trabalho que leve a esse resultado.
- Ela poderia aceitar aquela proposta de estagiar em uma clínica com vários psicólogos. Ela não exerceria direto a profissão, mas teria muitas chances de conquistar sorrisos.
- Ela poderia entender que o principal ponto aqui vai ser o estágio na faculdade. Logo, ela precisa seguir na faculdade e fazer o estágio com as sessões reais.
- Ela pode “treinar” sua abordagem com amigos e familiares.
- Ela pode estudar coisas, se aprofundar em assuntos, fazer networking.
Veja que saímos de uma única possibilidade (terminar a faculdade), para um mundo de possibilidades! É isso que o OKR busca fazer! E, por incrível que pareça, é muito simples! Você precisa responder, nessa ordem:
- Qual é o meu objetivo maior?
- Qual o resultado que eu quero gerar? (o ideal é já saber uma dor ou problema existente)
- O que eu posso fazer para chegar nesse resultado?
E eu enfatizei a questão da ordem, porque geralmente o que acontece é que as pessoas (e as empresas) invertem essa ordem! Elas já determinam as atividades que querem fazer, e depois ficam criando objetivos e KRs para justificá-los.
Veja no final do artigo uma observação importante sobre isso!
Eu costumo dizer para as pessoas deixarem de lado seus atuais backlogs antes de iniciar um novo ciclo de OKRs. Desapegue, e entre na jornada sem essas amarras. Aí você abre sua mente para um mundo de possibilidades.
Mas o que vemos por aí? As pessoas chegam na definição de OKRs com um backlog debaixo do braço, fazem todo um processo trabalhoso de definição de objetivos e key results, e saem dessa reunião com o mesmo backlog, tentando linkar esses itens já existentes aos novos OKRs escritos.
Todo um processo oneroso que no fim acaba servindo para quê? Mais controles, e mais rigidez. Esse não é o propósito dos OKRs.
DESAPEGA!
Como deveria ser uma reunião de check-in?
Vamos considerar que nossa amiga futura psicóloga tenha optado por “ter algum modelo de trabalho que leve a esse resultado” e “treinar sua abordagem com amigos e familiares”. No checkin semanal ela deve fazer as seguintes validações:
- O que mudou no meu resultado chave (“Qquantidade de sorrisos nas sessões”)?
- Essas ações estão me levando a conquistar sorrisos (“Quantidade de sorrisos nas sessões”)?
- E ainda! Esses sorrisos me dão a sensação de que eu estou conseguindo “ajudar outras pessoas a superarem suas dificuldades e serem felizes”?
- Se sim, vamos em frente! Vamos para o próximo passo!
- Se não, o que precisa corrigir? Precisamos de novas ações / hipóteses / testes / projetos (iniciativas), ou será que estamos medindo de forma errada (não são os sorrisos que me levam ao objetivo, talvez perseguir um “% de dificuldades superadas” seja mais adequado.
É bem possível que no checkin do Google Chrome tenha rolado coisas do tipo:
- Aquela nova funcionalidade gerou o número de novos usuários esperados?
- Aquela campanha está fazendo as pessoas baixarem mais o browser?
- O que faz as pessoas não baixarem o Chrome? O que as pessoas estão reclamando?
- Como podemos aumentar o número de downloads na próxima semana?
E nesse exemplo, imagine quantas áreas estão envolvidas nesse objetivo! Quantas formas estão pensando para que aumente o número de downloads? É um KR simples, mas que coloca em movimento uma série de pessoas, equipes e áreas!
O exemplo do Google é muito mais complexo e envolve uma multidão muito maior do que nossa estudante de psicologia, mas vejam que o princípio é exatamente o mesmo!
O propósito do checkin é corrigir os rumos, mesmo que isso signifique mudar a estratégia de KRs, mudando seus parâmetros ou até escolhendo outros KRs! Pode acontecer até de termos que mudar o nosso objetivo!
Checkin não é sobre “terminei meu modelo de gestão”, “conquistei 15 sorrisos”, “bati a meta”! É sobre: “tudo isso está fazendo sentido?”.
E por fim: vocês notaram que eu escrevi “me dão a sensação de que eu estou conseguindo”?
É porque Objetivo não é um número! Objetivo não é algo binário, sim ou não! Objetivo é uma sensação! O objetivo serve para sabermos se a nossa jornada está valendo a pena! Por isso dizemos que em OKRs o objetivo é qualitativo e ambicioso.
E os OKRs estão aí para alinhar toda a organização nessa visão, nessa ambição, fazendo com que todas as áreas criem seus objetivos e resultados chaves próprios, alinhados ao objetivo maior da organização, e seguindo essa mesma lógica.
No Google, isso chega até o nível do indivíduo, com cada Googler escrevendo seus próprios OKRs.
Mas se não for assim não funciona?
Não necessariamente. Existem muitas outras formas de gerir objetivos, e cada empresa, negócio ou contexto precisa encontrar a sua. Que pode não ser exatamente OKR.
O OKR na verdade nasceu na Intel com Andy Groove. Foi uma adaptação do tradicional modelo MBO (Management by objectives) que era chamado de iMBO (Intel Management by objectives) e depois virou OKRs. Não seria legal a Intel chamar de MBO algo que era uma leitura própria dos MBOs, que foi um modelo popularizado por Peter Drucker na década de 50.
E o vídeo a seguir é muito interessante para refletir sobre tudo isso. É o fundador da Vivino mostrando, em 7 simples passos, como aplicar OKRs com sucesso!
Ele inicia o vídeo contando sobre a história meteórica da Vivino, e como ela nasceu em um mercado onde haviam outras 600 opções disponíveis, e se tornou, atualmente, a número 1 e, pasmem, 10 vezes maior do que a segunda colocada.
Se você viu o vídeo, deve ter notado que ele faz exatamente o contrário dos passos que eu indico. Ele começa listando projetos, para então definir quais serão os KRs desses projetos.
Agora compare esse vídeo com o TED do início do artigo e me responda: a Vivino está mesmo usando OKRs? E na verdade, isso realmente importa? Se eles estão com um resultado espetacular, qual o problema de eles não utilizarem OKRs como deveria ser? Dessa forma funcionou para eles.
Talvez poderíamos chamar de “Vivino’s OKRs”. Que tal vOKRs? De repente o Heini Zachariassen é o Andy Groove dos vOKRs, e alguém possa gostar desse modelo e se tornar o John Doerr dos vOKRs, e fazê-lo crescer mundialmente. Aparentemente o fundador da Vivino não está tão preocupado com isso.
Isso tudo não é meio utópico? Será que funciona mesmo?
Aqui na Agilers resolvemos aplicar os OKRs em 2022 examente como John Doerr traz nos vídeos. Fizemos uma sessão bastante intensa para definir nossos objetivos e desde então temos trabalho duro para que todos possam desdobrá-los em esferas menores, acompanhar o seu desempenho local, impactar o resultado maior da organização e, acima de tudo, promover muita colaboração e crescimento de todos.
Curtiu o cenário? Em breve vou descrever essa experiência em um novo artigo, destrinchando o passo a passo que seguimos para que os OKRs movimentassem e engajassem todo o time!
Sim, isso é possível!
UPDATE
Me lembrei que um tempo atrás participei de uma live sobre OKRs e Agile People. Imagino que ainda seja bem atual! Aí vai:
- Avalie o que importa: Como o Google, Bono Vox e a Fundação Gates sacudiram o mundo com os OKRs – John Doerr – https://amzn.to/3RUvirq
- Agile People: A Radical Approach for HR & Managers (That Leads to Motivated Employees) (English Edition) – https://amzn.to/3v9NGCD
- Agile HR: Deliver Value in a Changing World of Work – Riina Hellström – https://amzn.to/3cBUq5N