Quando falamos em RH Ágil, muitas e muitas coisas aparecem. Esse é um campo do conhecimento que tem trazido muitos experimentos e novidades, e também muita coisa controversa e que faz a gente pensar: “Será? Acho que isso não funciona aqui não”.
Uma dessas coisas é o Salary Formula, que até é listado como uma das práticas do Management 3.0 (veja aqui). E eu sou fã desse conceito, que basicamente é você traduzir a definição salarial em uma fórmula simples, clara e transparente que deixe muito bem definido o que cada pessoa da empresa receberá de salário de acordo com as variáveis da fórmula.
O case mais emblemático desse sistema é de uma empresa chamada Buffer, que é apresentada em muitos treinamentos de RH Ágil. Hoje o salary formula da Buffer já foi tão evoluído que se você quiser trabalhar lá basta entrar nesse link, colocar a posição pretendida, o custo de vida de onde você mora e pronto: a Buffer te diz quanto você ganharia se fosse trabalhar lá. E isso como a primeira etapa do processo seletivo!
E qual é a mensagem que a Buffer passa com isso? É uma mensagem muito clara, e que eu amo: “Esse é o valor que a Buffer pode pagar para alguém com esse papel. Se você quer mesmo trabalhar na Buffer e topar, podemos conversar. Nós não negociamos salários”.
Eu acho isso incrível! Uma transparência fenomenal, você já entra lá sabendo quanto vai ganhar, e até quanto você poderá ganhar se subir na carreira (a transparência é tanta que a Buffer tem uma planilha pública com o salário de todo mundo!).
Mas como é possível chegar nesse nível, se é que é possível, ainda mais no Brasil?
Bom, eu sempre digo que não necessariamente precisamos chegar lá, mas sempre caminhar até lá. Isso também é válido para uma empresa 1.0 que quer chegar no 3.0. E no caso de salários, comece trazendo cada vez mais clareza e transparência para o processo, tornando-o mais justo e menos subjetivo. Um pouco de cada vez.
Você conhece o modelo SCARF, que trata de princípios chaves para ativar a motivação no trabalho? Pois o último princípio é exatamente a Justiça (Fairness): A percepção de interações justas entre as pessoas. O Salary Formula é uma ferramenta incrível para trazer o senso de que as pessoas estão recebendo algo justo pelo que elas entregam.
Mas ainda assim é tudo teoria, e eu resolvi experimentar tudo isso aqui na Agilers, a empresa de workshops e treinamentos que eu fundei em 2019. Vou tentar explicar como funcionou a criação do nosso modelo de remuneração que, apesar de muito simples, talvez fique complicado para explicar. Mas vale a pena.
Essa foi a pergunta central que eu trabalhei -> “Como usar o Salary Formula para criar uma maneira mais justa de remunerar todos os colaboradores da Agilers?”.
E comecei a estudar. Eu sabia que o Management 3.0 usava Salary Formula, e fui entender como lendo esse artigo. E me chamou a atenção a simplicidade com que resolveram o assunto:
“O salário máximo que você pode ganhar é fixo para todos e com base no seu Nível de Compromisso (CL). Se você trabalha um dia por semana para HMO, você está em um CL 1. Se você trabalha cinco dias por semana para HMO, você está em CL5. Seu CL está entre 1 e 5. Além disso, temos um salário fixo por CL. Por exemplo, 1 CL é igual a 100 euros.”
Mas aqui na Agilers o modelo de CL com valor fixo não daria certo, pois temos diferentes atuações. Temos aquele que faz a facilitação – que é talvez nossa maior entrega – temos a preparação de conteúdo, e temos pequenas tarefas administrativas. É justo pagar o mesmo valor por todos esses tipos de serviço?
Outra alternativa bem bacana, que o time do Management 3.0 também testou, mas não deu muito certo, mas foi aplicado em um empreendimento do seu criador, Jurgen Appelo: na Agility Scales os próprios colaboradores dizem quanto querem receber, e o grupo decide. Mas na Agilers ainda não temos uma maturidade suficiente para isso (mas com certeza tentaremos no futuro).
Com todo esse conteúdo em mãos, comecei a construir nosso modelo assim:
- Fiz uma listagem dos tipos de serviço que podem ser prestados por nossos colaboradores (simplifiquei ao máximo e hoje temos um total de 9 tipos de serviço).
- Para cada um dos 9 tipos de trabalho, foi definido um valor hora base. Hoje essa base veio de acordos anteriores da Agilers, mas a ideia é que no futuro o valor hora de cada tipo de serviço seja baseado em médias de mercado (quanta ganha um designer no mercado por hora, por exemplo).
- Com isso cada colaborador lança o tempo gasto em cada tipo de atividade (nosso objetivo é recompensar as pessoas por dedicação ao negócio).
- Eu fiz uma planilha com alguns cálculos (que talvez eu nem consiga mais explicar), mas que traduz a quantidade de horas de cada um, baseado no valor de cada tipo de serviço, e transforma isso em um sistema de pontuação (Thiago esse mês fez 100 pontos, Romário fez 78, Roger 105, e assim por diante).
- Nós temos um valor que é distribuído entre todos, que compreende um percentual do lucro gerado pelas nossas turmas. Nesse ponto, fico com duas variáveis importantes: quanto de dinheiro tenho para distribuir, e quantos pontos rolaram esse mês. Com isso, temos um valor por ponto, que eu chamei de cotação.
- O que cada um vai receber? A sua quantidade de pontos multiplicada pela cotação. Simples assim.
E qual foi o resultado disso? Bom, muitas coisas derivaram desse modelo.
- Hoje o valor de cotação padrão é R$ 20,00. Isso nos ajuda a entender nossa performance. Sempre que a cotação fica acima de 20, é sinal que o negócio está melhor que o esperado (mais lucrativo) e todos ganham mais do que o padrão. Se ficamos abaixo dos 20, é sinal que estamos pouco lucrativos, e vamos ganhar menos que o padrão.
- Como o lucro é dividido por pontos, ninguém sabe exatamente o impacto de cada coisa no resultado, mas todos sabem que o seu trabalho impacta diretamente no resultado. Assim, para a cotação ficar acima de 20, dependemos do empenho de TODOS.
- A Agilers baseia seu balanço no resultado de cada turma ou projeto, só que é difícil medir quanto cada um dedicou a cada turma, e às vezes acontece de um aluno pagar para entrar em uma turma, mas assistir efetivamente em outra. Isso fazia com que um facilitador deixasse de ganhar por aquele aluno. Nesse novo sistema, isso foi totalmente resolvido. Hoje ganhamos pela quantidade de horas de facilitação, e todos ganham o mesmo valor/hora de facilitação, que é baseado no resultado coletivo, e não mais no resultado da turma (mas podemos continuar contabilizando por turma, já que temos como única meta financeira não ter turmas que gerem prejuízo!).
- Bom, tudo isso trouxe muita flexibilidade. Toda a equipe pode trabalhar nos horários que achar mais adequado, com a dedicação que for possível. Hoje todo tipo de trabalho é recompensado, e baseado na cotação. Isso ajuda muito a colocar o cliente no centro de tudo, e lembrar que todo trabalho que executamos, mesmo internamente, é relacionado ao nosso cliente, no caso o nosso Agilover!
- Nós fazemos eventos gratuitos, fazemos eventos sociais! A Salary Formula hoje possibilida que o facilitador desses eventos seja remunerado, e a gente nem precisa tirar esse dinheiro do resultado da turma (todas as nossas turmas sociais tem o lucro 100% revertido para causas sociais). É o resultado coletivo do negócio que financia tudo isso!
E olha o que dizem sobre isso:
Em março estamos rodando o segundo mês do experimento, e até agora o resultado está bem positivo. Nossos resultados e nosso empenho em obtê-los está mais claro e transparente, e todos estão recendo algo justo pelo que produzem. Estamos em expansão, e o modelo está ajudando a manter esse cresscimento de forma sustentável.
E você, que experiências têm executado em relação ao tema remuneração? Conta pra mim!
Algumas referência do assunto:
- Salary Formula no Management 3.0: https://management30.com/practice/salary-formula/
- Dashboard da Transparência do Management 3.0: https://management30.com/management30/#financial-transparency